Igrejas evangélicas crescem 44% e são quase um terço da população de da cidade de Bauru (SP).
É possível se falar em fenômeno evangélico. No sentido definido pelo
dicionário como extraordinário. Neste caso, um crescimento
extraordinário. Os números comprovam um avanço avassalador do
evangelicalismo no País. De acordo com o Censo Demográfico do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, a parcela
evangélica da população do Brasil abrange 22,2%, ou seja, 42,3 milhões
de brasileiros. A estatística consolida tendência verificada há décadas
de aumento dos evangélicos. Em 2000, os números apontavam 15,4%, o que
configura aumento de 61% em dez anos. Em 30 anos, o percentual saltou de
6,6%, número apurado em 1980, para os atuais 22,2%. Em 1991, segundo o
IBGE, este percentual era de 9% (leia mais na página 5).
Em Bauru, o panorama é semelhante ao nacional. De acordo com dados do
Censo de 2000 do IBGE, os evangélicos eram 23,59% da população
bauruense ou 74.558 pessoas. Nos dez anos seguintes houve aumento de
44,4% neste contingente, totalizando 107.675 adeptos em 2010 e chegando
ao percentual de 31,29% dos habitantes da cidade. Se comparado com o
crescimento populacional de Bauru no mesmo período, o percentual ainda é
mais impressionante. Bauru saltou de 316.064 habitantes para 344.039,
aumento de 8,85%.
Mas o que motiva este crescimento vertiginoso? Quais são as causas
que levam cada vez mais pessoas a se converter? Algumas respostas a
estas questões passam pelas características do evangelicalismo, que
desenfatiza o ritual dos cultos, sobressai pelo acolhimento às pessoas,
possui uma hierarquia menos rígida ou evidente e uma linguagem popular.
Além disso, de acordo com o pastor Gilson Souto Maior Júnior, formado em
teologia batista e estudioso do tema, grande parcela do “boom” é
ocasionada pelo avanço do neopentecostalismo. “Boa parte do crescimento
dos evangélicos neste período se deu na verdade pela força do
neopentecostalismo. As igrejas tradicionais e históricas cresceram como
normalmente crescem, um crescimento constante, mas não explosivo”,
constata.
A questão do acolhimento das pessoas nas igrejas evangélicas seria o
primeiro passo para a arrancada do evangelicalismo, uma vez que abre o
espaço para as outras causas.
“O neopentecostalismo e as igrejas evangélicas têm este parâmetro de
receber as pessoas. Tanto é que esta foi a grande preocupação do
pontificado de João Paulo II, quando viu o grande crescimento da Igreja
Evangélica na América Latina. Nestes últimos anos, o catolicismo perdeu
muitos adeptos em toda a América Latina. E uma das coisas que foram
colocadas é justamente isso: alguém, quando chega a uma igreja
evangélica, é rapidamente absorvido. No sentido de que é aceito”, pontua
Souto Maior.
“No caso de drogas, por exemplo, há vários movimentos evangélicos
trabalhando na restauração de pessoas com este problema, que é crônico
na nossa sociedade. Isso, de fato, contribui para o crescimento”,
acrescenta.
Uma vez integrada à igreja, a pessoa rapidamente sente-se parte
daquele organismo, que transparece uma proximidade entre a celebração do
culto e o fiel. A identificação com a igreja é imediata, com
participação efetiva.
“No movimento evangélico não existe muito uma hierarquização. No
catolicismo romano se encontra uma hierarquia. Nas igrejas evangélicas
esta hierarquia não existe e, quando existe, é muito pequena em relação à
Igreja Católica. Então, as pessoas se tornam membros e em pouco tempo
estão trabalhando, exercendo alguns cargos e desenvolvendo trabalhos.
Isso faz com que se sintam importantes. Todo mundo quer se sentir
importante em alguma coisa, no sentido de que ‘eu posso contribuir com
algo’”, analisa Souto Maior.
A própria linguagem, próxima ao “idioma do povo”, também contribui
para a identificação das pessoas com a mensagem evangélica. É um fator
decisivo, na opinião do pastor. “Não tem uma liturgia pesada. Querendo
ou não, a gente acaba fazendo um paralelo porque o Brasil é um País de
natureza católica. A maioria é católica e de história católica”,
observa.
“Faz pouco tempo, na década de 60, que mudou a missa do latim. E isso
faz enorme diferença”, comenta, ressaltando o significado de participar
de um culto em que a mensagem é entendida por todos.
“Você estar em uma cerimônia em que está vendo tudo, mas não entende
nada, é diferente de quando você escuta alguém falar na sua língua e
trata de problemas muito existenciais, próximos da vivência, fala de
família, de desemprego e aplicando isso na vida das pessoas. Quando você
se aproxima das pessoas e fala a realidade delas, elas vão compreender
melhor a mensagem”, acentua.
Porém, Souto Maior é enfático ao afirmar que a principal mola
propulsora do avanço na quantidade de evangélicos é o
neopentecostalismo, fenômeno considerado recente na história do
evangelicalismo. Ele explica que o movimento pentecostal passou por três
ondas.
A primeira, quando surgiu, entre o final do século 19 e início do
século 20, motivada pela questão dos dons espirituais. A segunda, por
volta da década de 50, já impulsionada pelo rádio, meio de comunicação
que tinha, naquele momento, força proporcional à da internet hoje.
“Nesta segunda onda houve um crescimento baseado muito na pregação de
curas e milagres”, relata.
Conforme Souto Maior, a partir da década de 70 veio uma terceira
onda, chamada de neopentecostalismo, que traz uma pregação diferente.
“Começa-se a pregar a respeito da prosperidade financeira, física. Boa
parte deste crescimento vai se dar a partir do final da década de 70,
início da década de 80, mas vai ter uma explosão mesmo a partir da
década de 90, justamente com esta pregação baseada na prosperidade. A
ideia de que as pessoas podem ter bens materiais e que isso é uma bênção
de Deus”, expõe o pastor.
Ressalvas
Com vasto conhecimento teológico, o pastor Gilson Souto Maior Júnior
tem ressalvas em relação a certos pontos de vista do movimento
neopentecostal. “Ao mesmo tempo em que expôs os evangélicos, também
colocou uma situação constrangedora. Esta visão de prosperidade, de
riqueza material como sinal da bênção de Deus ficou dissociado do
movimento da reforma protestante, dos evangélicos tradicionais. Para
nós, riqueza não é pecado, mas deve ser fruto de um trabalho. Um
trabalho ético, correto. Nós entendemos o trabalho como uma dádiva, uma
bênção de Deus. Então, você trabalhar corretamente, lutar e conquistar
suas coisas não é pecado necessariamente. E o neopentecostalismo veio
com uma visão de que as dádivas de Deus se traduzem praticamente na
questão material”, discorre.
O pastor acredita em uma distorção dos reais valores evangélicos.
“Deixa-se de lado a visão de um trabalho para simplesmente ir à igreja
buscar riqueza, prosperidade, porque isso seria um sinal de uma bênção. O
que acontece? Esses movimentos começam a criar uma pregação muito
intensa em cima da questão do dinheiro, dos dízimos, e aí, começam a
aparecer os escândalos, a manipulação das pessoas, principalmente das
pessoas mais pobres”, argumenta Souto Maior.
O pastor vê no contexto sócio-político brasileiro a chave para o
avanço do neopentecostalismo. “Se a gente observar o histórico, o Brasil
no início da década de 80 era um país que tinha acabado de sair do
‘milagre econômico’, estava em um período de transição entre a ditadura
militar e a democracia. Basicamente, esta população é pobre e existe uma
inflação galopante. Este é um terreno propício para este tipo de
pregação de bênção, de cura, de milagre, de prosperidade financeira.
Então, creio que isso foi um combustível a mais para este movimento e
crescimento”, diagnostica.
Souto Maior reitera que não considera esta linha de orientação e
pregação a ideal. “Este movimento não tem uma exegese e hermenêutica
bíblica, pegam textos isolados da Bíblia para fundamentar a pregação.
Cristo não é o centro da mensagem, o cento da mensagem é a igreja”,
entende.
O pastor identifica ainda um personalismo, muitas vezes, na figura de
um pastor ou fundador. “Estes movimentos neopentecostais são cercados
de um ícone. Não vejo com bons olhos para uma fé verdadeiramente
evangélica, uma fé que se baseia no Evangelho de Jesus Cristo, esta
visão evangélica descomprometida com o Evangelho da Graça e que usa a
Bíblia para manipular interesses”, define.
Multiplicação de fiéis e templos
O “boom” de cristãos evangélicos vem seguido da multiplicação de templos
e igrejas. Em Bauru é visível a proliferação de templos pela cidade,
seja em áreas centrais ou bairros mais afastados. Muitas vezes, as vias
contam com uma aglomeração de templos. Usando o bom humor, se São Paulo
tem a avenida Angélica, Bauru possui o que pode ser chamado de avenida
evangélica.
A reportagem do Jornal da Cidade constatou a presença de dez templos
evangélicos nas 38 quadras da avenida Castelo Branco. Na rua Benedito
Ribeiro dos Santos, que cruza o Jardim Carolina e Núcleo Geisel, a
concentração é ainda maior: com dez templos em suas 16 quadras.
A pequena amostragem permite ter dimensão da expansão pela cidade.
Dados do Conselho de Pastores Evangélicos de Bauru estimam que existam
700 templos espalhados pelo perímetro urbano entre as diferentes igrejas
que compõem o universo evangélico. Em uma conta simples, dividindo-se o
número de adeptos apurado no Censo de 2010 (107.675 pessoas) pela
quantidade de templos existentes na cidade, chega-se a uma média de 152
fiéis por templo. Estruturar o crescimento e união das igrejas
evangélicas em Bauru é o trabalho desenvolvido pelo Conselho dos
Pastores Evangélicos de Bauru, que conta com aproximadamente 100
membros.
O pastor Edson Valentim de Freitas, diretor do Conselho, explica as
atribuições do órgão. “O papel do Conselho é de aglutinar, unir as
igrejas e desenvolver ações que ajudem as igrejas em suas atividades e
no crescimento delas. Basicamente, é atrair os pastores e unir as
igrejas”, pontua. Freitas ressalta que as ações do Conselho não se
restringem às igrejas que possuem integrantes no órgão.
“A gente trabalha com a cidade toda. Nem todos são filiados, mas as
igrejas acabam ligadas à gente pelas atividades. É bem abrangente
mesmo”, salienta.
Com a multiplicação dos templos, o Conselho de Pastores atua também na
regularização destes espaços, buscando segurança e conforto. Uma das
coisas que o Conselho tem oferecido é o curso de brigada de incêndio.
“Além disso, temos a parceria com escritório de contabilidade, que dá
toda a assessoria para fazer o estatuto, a parte contábil da igreja. E a
gente passa todas as orientações que já colheu perante a Seplan
(Secretaria de Planejamento), por exemplo, na questão de acessibilidade.
Todas as igrejas podem ter acesso a isso que o Conselho oferece”,
declara Freitas.
O diretor do Conselho observa que representantes de novos templos,
com o crescimento, já procuram o órgão para receber apoio e orientação.
Uma igreja, muitas vezes, começa um tanto quanto informal. É uma casa.
Um grupo de irmãos que são de uma determinada igreja e querem começar um
novo trabalho.
Este grupo de pessoas começa a crescer e, pela necessidade de sair
daquela casa e ir para um salão para comportar mais pessoas, muitas
vezes, num primeiro momento, não são tomadas aquelas precauções em
termos de segurança. De 50 a 100 pessoas é geralmente quando a igreja já
está estabelecida e o pastor sente a necessidade de regularizar tudo.
Dividir para multiplicar
A grande quantidade de templos pela cidade tem uma explicação simples.
Ao invés de se aglomerar uma maior concentração de fiéis em menos
templos, por questão de conveniência e até mesmo logística, os templos
se espalham em uma democratização de espaços disponíveis, uma
fragmentação, facilitando o acesso dos adeptos. Uma inversão, que acaba
encurtando distâncias e ampliando o alcance da mensagem para
praticamente todos os pontos da cidade: o templo também vai ao fiel e
não somente o fiel vai ao templo. Uma divisão que multiplica.
Freitas, pastor em um templo no centro de Bauru, dá exemplos de como a
estratégia surte efeito e é positiva para o fiel e para a igreja. Nós
começamos um trabalho há vários anos no Mary Dota porque era difícil
para muitos membros virem de lá para o centro da cidade e hoje é um novo
templo. Lá na região da Vila São Paulo e Pousada da Esperança também
criamos um trabalho. Porque fica longe para várias pessoas virem.
Preferimos fazer o culto lá. Com o passar do tempo, cresce o número de
pessoas e a gente torna o trabalho independente, aponta o pastor.
A expansão evangélica vem acompanhada não só da proliferação de
templos, mas de um aumento significativo de igrejas, que aumenta a
divisão do universo do evangelicalismo. Freitas vê aspectos positivos e
negativos no surgimento de novas igrejas evangélicas.
“Nossa legislação, nossas leis permitem esta liberdade. Eu diria que
esta liberdade traz a abertura de novas igrejas em qualquer lugar e
qualquer bairro. Isto é muito bom. O fato destas igrejas ficarem
independentes umas das outras é negativo. Porque, muitas vezes, a igreja
é pequena e anda sozinha. Aí é que entra o papel do Conselho de
Pastores de apoiar estas igrejas, ajudá-las neste começo e trazê-las
para a comunhão com as outras que já existem”, diz o pastor.
Reforma Protestante e os 5 solas
As igrejas evangélicas têm origem na reforma protestante, movimento
reformista cristão iniciado no início do século XVI por Martin Lutero,
que protestou por meio de teses contra diversos pontos da doutrina e
práticas da Igreja Católica Romana medieval, propondo uma reforma no
catolicismo romano. Os pontos de vista de Lutero ganharam apoio de
vários religiosos e governantes, provocando uma revolução religiosa que
se estendeu pelo continenge europeu.
O resultado da Reforma Protestante foi a divisão da chamada Igreja do
Ocidente entre os católicos romanos e os reformados ou protestantes,
originando o protestantismo ou evangelicalismo, que se expandiu para as
Américas, local onde se originaram outra parte das igrejas que hoje
compõem o universo evangélico.
O pastor e teólogo Gilson Souto Maior Júnior explica que os
princípios fundamentais da fé evangélica são os cinco solas,
pressupostos da reforma protestante. “Sola Scriptura (somente a
escritura), que significa que normatizamos os princípios de fé e prática
à luz da Bíblia; Solus Christus (somente Cristo), ou seja, que Cristo é
o centro da vida cristão, da vida da igreja, da vida em comunidade, o
nosso modelo máximo; Sola Fide (só a fé), somente pela fé o homem pode
se aproximar de Deus e ser salvo; Sola Gratia (só a graça), ninguém é
salvo por seus méritos, apenas pela graça de Cristo, e Soli Deo Gloria
(somente a Deus a glória), ou seja, a glória não é do homem, do ser
humano. Entendemos que todas as coisas procedem de Deus, tudo é para a
glória de Deus.”
Definições
De acordo com dados do Conselho de Pastores, predominam no
evangelicalismo bauruense as igrejas com orientação pentecostal e
neopentecostal. Para critério de definição, no pentecostalismo
tradicional brasileiro estão igrejas como a Assembleia de Deus,
Evangelho Quadrangular, Brasil para Cristo, Deus é Amor, Congregação
Cristã, Nova Vida, entre outras. São exemplos de igrejas neopentecostais
no cenário nacional a Universal do Reino de Deus, Internacional da
Graça de Deus, Renascer em Cristo e Mundial do Poder de Deus. Algumas
das igrejas de missão, ou seja, com origens missionárias, são a Batista,
Presbiteriana, Adventista e Metodista.
Unidade no discurso
Dentre as diferentes orientações e estruturação das igrejas que compõem o
universo evangélico, o discurso se une em torno de um tema considerado
fundamental por pastores: a valorização da família. O Conselho de
Pastores tem como diretriz de trabalho o foco na família, de acordo com
Freitas.
“Nós observamos que a família, hoje, está se fragmentando. Os valores
estão sendo perdidos ou não são observados. Então, são muitos
casamentos desfeitos e isso reflete nos filhos, que por sua vez acabam
sofrendo emocionalmente e muito deles indo para as drogas”, diz Freitas.
“E quando a gente fala de drogas, sabe que é muito mais sério do que os
jornais apresentam, é muito mais grave. O crack, por exemplo, está em
todas as camadas sociais, constata.
O pastor entende que o caminho para minimizar os problemas sociais é
fortalecer a célula familiar. Hoje, é uma preocupação muito grande na
maioria das igrejas que a gente foque as famílias. Família forte é
sociedade forte, conclui Freitas.